Depois desse período evolutivo, definitivamente, a distopia estará em decadência. Os players e emissoras de TV terão que rever urgentemente seus conteúdos, reprisado ou não, para atender aos poucos telespectadores que continuarão a lhes dar audiência. E essa será a maior experiência que eles terão para desenvolver o que há de melhor na essência do audiovisual brasileiro.
Os grandes equívocos são a síndrome do “Maria vai com as outras” e a falta de clareza dos compradores para o mercado criativo e produtivo do audiovisual, mesmo que estejam repletos de dados coletados ou pesquisados por sua audiência. No primeiro cenário, eles terão que reconsiderar urgentemente sua grade de programação. Não é porque uma série de TV deu certo de que as subsequentes têm que ser copiadas e coladas.
Nem sempre a audiência quer se alimentar de reprises de temas. Ainda mais agora quando “libertos” da quarentena a última coisa que vão querer fazer é ficar trancafiados em casa. O público, cada vez mais exigente, quer mais do que isso: quer diversidade e qualidade. Aliás, falando-se em público, é bom que se diga que os telespectadores são mais do que uma única faixa etária. Por vezes, a considerada minoria podem ser os reais consumidores desta mídia.
Programas com formatos pré-definidos em que não surpreende mais o espectador não prenderão mais a audiência, pois fórmulas previsíveis darão espaço para o prodigioso, assim como é aquele jargão conhecido pelo mundo holístico: “Universo surpreenda-me!” A falta de briefing e clareza dos canais na relação da criação são outros obstáculos que terão que ser transpostos e revistos, pois o aparelho de TV, em pouco tempo, poderá ter a mesma função que uma lavadora de roupas ou um fogão.
Muitos promissores talentos da escrita estão migrando para outros negócios — enquanto as poucas referências se veem assoberbadas — pois estão cansados de criar, criar e criar sem nada receber e nunca terem uma oportunidade efetiva no mercado fechado e vil. Trabalhei por mais de 20 anos com publicidade, propaganda, promoção e eventos, e, a experiência me mostra que todas as vezes que o cliente não participava para a agência um briefing impecável, inclusive com as estratégias a serem alcançadas no futuro, o equívoco era inevitável.
Assim será o novo mercado do audiovisual: enquanto não se conscientizarem que os roteiristas — parte criativa do processo — para desenvolver bons projetos tem que ter informações corretas e saudáveis do canal, mais os analistas/leitores de conteúdo terão trabalho desnecessários e continuarão descartando produtos que poderiam receber algum ajuste ou orientação, retendo talentos ainda desconhecidos para o mercado audiovisual. Se não querem dividir informações por algum tipo de receio, então, que contratem seus próprios roteiristas e terceirizem a produção.
É bom que se ressalte que, dentro de cada ecossistema, se não tiver um começo, não existe o meio e, pior ainda, o fim. Assim é com absolutamente tudo na vida. Se não há quem crie, não se tem o que produzir e, muito menos distribuir ou vender. Qualquer produto em um simples supermercado existe porque alguém criou, pensou e o desenvolveu, dando início assim a toda a cadeia produtiva.
É revolucionário? Respondo: após esse período de grande transformação no mundo, de qualquer jeito, todo o mercado audiovisual terá que se rever e se reinventar, pois este ecossistema de embuste caminha para a falência. Logo os canais não terão mais o que reprisar e vão ter que sair bancando novas produções. Vão parar de contratar distopia para contratar vida real. Vai ter demanda para roteiristas, mas como o mercado nunca investiu, de fato, nesse tipo de profissional, vai roer osso sem carne para procurar agulha no palheiro.
Definitivamente, distopia está démodé. Depois de tanta quarentena, a audiência ficará cansada de velozes, furiosos, violentos e tantos outros conteúdos correlatos. Aliás, diga-se, se antes desse período de metamorfose humana, os clientes já estavam cancelando suas assinaturas de TV, agora que desligarão de vez seus aparelhos se não houver reais atrativos para ligá-lo. É só olhar em volta para perceber que já estão migrando para outras plataformas de entretenimento mais interessantes, independentes e diversas. Não é à toa que as lives das redes sociais tiveram tantas audiências — e algumas se manterão com seu público cativado nesse período —, pois o sistema encontra-se com padrões fatigados.
O Brasil quer se ver já não é de hoje. E quando eu digo isso não estou falando de, por exemplo, histórias de famosos, mas de narrativas edificantes (com drama, romance, comédia etc.) que podem ser encontradas no relato e vida de anônimos. E olha que com uma boa pesquisa, poderá encontrar uma proveitosa narrativa em cada esquina.
Não sou economista, mas sigo sempre a minha intuição, a do meu Eu Superior, quando digo que a distopia está démodé é porque sei que o planeta já está se transformando energeticamente e em essência, e, o ser humano, cada vez mais, buscará se integrar a natureza e o seu âmago interior.
Sabe aquele projeto descartado por que era completamente fora da curva? Será considerado uma excelente oportunidade. Sabe aquele roteirista que escreve com o coração, exalando sua verdadeira essência, em prazer, inclusive? Terá sua porta aberta. E nenhum homem poderá fechá-la.
Quem sabe o que tínhamos no passado não seja o futuro? E o futuro é aqui e agora. Quer apostar quanto? Eu banco!
8 comentários
Elizângela Baltazar · 18/05/2020 às 8:21 PM
Também estou ansiosa para ver o Brasil produzindo séries que aguce a nossa vontade de um capítulo atrás do outro… Séries com belos enredos e fotografia que dá gosto de ver. São sempre os mesmos “protótipos” e quando a gente acha que “agora vem uma para nos representar”… PRONTO. Vem também o desapontamento com as gambiarras.. Cá pra nós: temos inúmeros profissionais no mercado sem oportunidade de mostrar seu trabalho e muita produção mais ou menos feita sempre pelos mesmos … quem sabe seja hora de dar oportunidade para “novos” talentos?
Denise Starling Oliva Imperialos · 18/05/2020 às 10:55 PM
Espetacular, verdade pura…amei parabéns pela dissertação…
Ana Dantas · 19/05/2020 às 12:03 PM
Denise, gratidão por me dar oportunidade de ser lida.
Ana Dantas · 19/05/2020 às 12:02 PM
Elizângela, o seu anseio é o desejo de todos os telespectadores. O Brasil pede cada vez mais isso. Talentos existem no mercado, nascem a todo momento e desejam pela oportunidade tão esperada. O mercado terá que se adequar, pois velhos padrões de comportamento não nos impulsiona para frente. Gratidão pelo seu comentário.
Rogério Viana · 19/05/2020 às 1:21 PM
Ana, sua visão tem muito do que penso. Aliás, do que muitos roteiristas pensam. Tenho comentado nas oportunidades que apareceram para dizer que o Brasil é múltiplo e o sotaque carioca não nos representa no que gostaríamos de ouvir e de ver em nossos monitores, ou nas telas de nossos televisores. As narrativas regionais, aquela que sabe cantar o seu quintal, seus vizinhos, sua cultura, seu modo de viver e de sentir, devem ganhar vez e voz. O que acontece no Leblon ou Ipanema, o que acontece na avenida Paulista ou nos Jardins, não nos dizem respeito, nãos nos representam, nem nos reposicionam em reais e legítimos cenários.
Aquele besteirol de uma só personagem não faz justiça ao que somos. Talvez sejamos piores, mas somos diferentes, com mais vida e mais ideias, com mais soluções para enfrentar a vida. Pensamos mais com nossas cabeças do que com as bundas de alguns!
Ana Dantas · 19/05/2020 às 8:54 PM
Rogério, sua fala não é algo isolado. Acredite! O Brasil é extenso, rico em histórias e personagens intrigantes e, com toda certeza, queremos ver nossos espelhos nas telas. Seja elas de que tamanho for. Gratidão pela sua partilha!
DANIEL FUNES · 19/05/2020 às 2:25 PM
O problema é que o mercado audiovisual do Brasil é amador, assim como o editorial. Formado por meia dúzia de roteiristas desatualizados, que são sempre os mesmos. No meio editorial o escritor ainda poderá se tornar seu próprio editor, o que tornará a mídia livro finalmente democrática e bem mais barata. Já no audiovisual vamos seguir vendo remakes insuportáveis ou produções mais rasas que Os Três Patetas.
Ana Dantas · 19/05/2020 às 9:04 PM
Daniel, não posso generalizar, e muito menos lhe garantir que o nosso mercado seja “amador”, pois nos últimos anos, ele tem feito grandes avanços, dado o cenário que tínhamos na década de 1970/1980. Seria leviana se assim o fizesse, contudo, há de se valorizar o roteirista, remunerando-os decentemente e dando oportunidades a quem quer aportar nessa estrada para crescer e exercer a profissão com solidez e, enfim, amadurecer através de um contar inspirador.